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Principais conceitos da Teoria Moreniana


Moreno “ (re) criou conceitos e desenvolveu um conjunto de instrumentos específicos e métodos peculiares de acção. O seu trabalho foi muito influenciado pelas correntes filosóficas da sua época e, em particular, pelo movimento da fenomenologia existencial.” (Veiga, 2009, p.105) Assim sendo, o ser humano é dono do seu próprio destino, assumindo um papel responsável e ético na sua viagem, a que todos chamam vida, e entre conflitos e alianças que vai encontrando formas mais saudáveis de se relacionar consigo e com o mundo, (re) descobrindo as suas capacidades e aprender criativamente a sua existência. 
Moreno “bebeu” da corrente filosófica existencialista para fundamentar alguns dos seus conceitos e realça a “importância de vivenciar a verdade de uma pessoa por meio da acção; o valor da realidade subjectiva; a premissa de um encontro vivo no aqui-e-agora entre as pessoas (…) e um profundo igualitarismo” (Moreno, s/d, cit. Fox, 1987, cit. Veiga, 2009, 105)
Para além destes aspectos o pai do psicodrama afirma e dá ênfase ao ser humano como um animal gregário, é o ser mais inacabado à superfície do planeta terra, e é durante o seu desenvolvimento ontogénico, condicionado pelo meio onde está inserido, que “vai ampliando ou diminuindo a sua força e bem-estar” (Veiga, 2009, 106) Sendo o meio social o molde da personalidade dos indivíduos consequentemente ele também é responsável pelos “problemas psicológicos” do ser humano “pelo que a cura passa pelo encontro vivo, no aqui-e-agora, entre as pessoas” (ibidem). Tendo isto, o autor apresenta o grupo como estratégia para efectivar a “metamorfose” do indivíduo sendo que sozinho teria dificuldade em abandonar o seu “casulo”.
As curtas premissas acima mencionadas estão na base dos conceitos desenvolvidos por Moreno. Passo a expor alguns dos conceitos:  
  
Como foi referido anteriormente o ser humano é o ser mais inacabado à face da terra. Invoco aqui o conceito de neotenia para complementar esta afirmação. O atraso no desenvolvimento, devido aos genes que são responsáveis pelo atraso ontogénico, implica que o ser se desenvolva mais devagar, alargando a infância e a dependência dos progenitores. Na verdade o ser humano apresenta traços e características juvenis na idade adulta. A plasticidade e a capacidade de adaptar-se em diferentes meios são uma prova disso. Esta capacidade inerente ao ser humano permite dar respostas criativas e espontâneas face ao contexto.
Assim sendo a espontaneidade é a capacidade de responder adequadamente a novas situações, ou adquirir novas condutas a condições antigas. Todavia não podemos esquecer que o Homem é um ser cultural. Durante o seu desenvolvimento a cultura regula o indivíduo cristalizando determinadas formas de estar, ser e pensar colocando em causa esta capacidade espontânea e criativa do ser humano. A espontaneidade pode ser exercitada fazendo com que “o indivíduo aja e reaja com prontidão, coerência e sem rigidez dos acontecimentos; saiba avaliar, esteja atento às alternativas e represente os papéis com desenvoltura.” (Veiga, 2009, 107)
Para que a mudança do “sine qua non” ocorra  é necessário introduzir novas sensações ao indivíduo. Este ao vivenciar uma realidade imaginária no palco dramático poderá anular e ganhar consciência das causas das relações recíprocas estéreis do mundo real estimulando para criar actuações “sui generis” com base na espontaneidade. 
No “como se” “ Expressar-se por expressar-se a todo o custo não é necessariamente ser-se espontâneo. Pode significar precisamente o contrário, pode servir para esconder ou mascarar os sentimentos autênticos. É desse exemplo aquele que fala e gesticula sem parar. Um indivíduo não deixa de ser espontâneo quando, por exemplo, sentado numa cadeira, olha tranquilamente para os outros e para os objectos que o rodeiam. ” (Moreno, 1973, cit. Aguilar, 2001)

O nascimento, ou parto como alguns lhes chamam, ocorre quando o feto atinge determinado estado de desenvolvimento dando-se, inicialmente, as contracções do útero acabando por expulsar o feto para o mundo “opressor”. Este é o primeiro momento do bebé protagonista que coloca à prova a sua capacidade espontânea de se adaptar ao novo mundo.
Se este bebé fosse deixado por contra própria o seu destino seria enfrentar a morte. Daí, e relacionando com inacabada “obra” que é o ser humano, o novo residente terrestre com os seu poucos recursos carece do outro para que o ajude a ultrapassar as dificuldades, que satisfaça as suas necessidades e que o integre numa cultura.
Fazendo uma analogia deste processo para o psicodrama o nascimento é um duplo processo, por um lado o bebé que tenta libertar das amarras do mundo intra-uterino, no caso do psicodrama o protagonista que tenta desamarrar as suas incapacidades conquanto, necessita de parteiras, mãe, amas, obstetrícias… (egos auxiliares) “aprenda a gerir e a lidar com os diversos obstáculos que dificultem ou impedem a sua maturação e o seu desenvolvimento.” (Veiga, 2009, 109)
Como ser gregário o ser humano está em constante interacção. Estas interacções nem sempre baseiam-se na partilha, na compreensão e no diálogo. Aqui o encontro não é uma mera interacção onde o indivíduo toma consciência da existência do outro (todavia pode ser um momento para criar uma relação). O encontro pressupõe uma relação onde o eu e o tu não têm medo de desconfigurarem-se face aos diferentes olhares a um dado objecto. Olham para a situação como um complemento compreendendo-se mutuamente. Este encontro promove a criatividade sendo estes dois olhares fecundantes podendo conceber uma nova forma de olhar. 

Ao contrário das psicoterapias tradicionais, que buscam o passado dos indivíduos para encontrar as causas de determinados comportamentos,  o psicodrama dá importância aos momentos e às relações do presente e actuais. Mais do que a busca da origem dos problemas o psicodrama centra-se nos sentimentos, nos comportamentos actuais que incomodam o protagonista, quer por razões passadas, quer por razões futuras. As razões passadas, fora das tensões, permitem analisar a situação dando um novo “sabor”. As situações futuras permitem diminuir as ansiedades e numa experiencia comunicacional, entre o grupo, facilita uma acção criativa. Como afirma Fabregas (1995, cit. Veiga, 2009, p.109) o Psicodrama é “a-histórico e intemporal, referindo ser seu objectivo  considerar o Momento não como parte da História, mas a História como parte do Momento” 

Podemos referir que a tele é um conceito multifacetado, ou “um fenómeno da interacção, viabilizado entre seres humanos, incluindo percepções mas sem se limitar a ela, abrangendo mutualidade, complementaridade, coesão, globalidade vivencial e polimorfismo de desempenho de papéis, guardando correlações com posição sociométrica e dependendo dos processos intrapsíquicos que envolvem qualquer relação”(Perazzo, 1994, p.52 cit Abreu, 1992, p.102)
Por certo este é um dos conceitos mais complexos do psicodrama Moreniano e que comparo a um fenómeno social total na qual estruturam o eu e o eu contribui para essa estrutura.

Moreno deu relevo à exteriorização dos pensamentos e às experiências internas. A passagem do material intrapsíquico para o contexto dramático e grupal é, por si só, terapêutica. (Soeiro, 1994 cit. Veiga, 2009, p.118) Pode-se distinguir dois padrões de acting-out: o irracional e o terapêutico.
 O acting-out irracional acontece fora da sessão psicodramática “e decorre da própria existência do indivíduo.”
O terapêutico ocorre durante a sessão quando o protagonista com o seu “bio-(corpo)psicossocial consegue representar o seu o trama interno. Este acting-out não tem que ser um processo instantâneo, ou seja, pode ser efeito de um processo gradual na qual o protagonista reconhece uma nova configuração integrando elementos e reestruturando as suas cognições sentindo-se cada vez mais responsável pela história da sua vida, consciente das suas escolhas, num mundo subjectivo.
Gostaria de partilhar um momento pessoal idêntico a este processo apesar de não acontecer num contexto psicodramático mas de igual modo semelhante.
Em tempos pediram-me para construir a minha história de vida e apresentar a um grupo de uma forma original. Como possuo uma veia teatral decidi escrever um monólogo e apresentar essa dramatização. Quando registava os acontecimentos da minha vida e reflectia sobre eles algo aconteceu! Comecei a perceber que muita da minha revolta interna devia-se a um conjunto de situações não muito favoráveis (assim pensava) mas que simultaneamente percebi o quanto me fizeram crescer  e o quanto foram importantes para mim. A partir desse momento comecei a valorizar essas situações e os problemas que na altura vivenciava com a minha entidade patronal ganharam um novo sabor. As minhas amarguras deixaram de as ser! Foi um momento de grande crescimento, uma nova forma de olhar para a vida. Acredito cada vez mais em proporcionar momentos de introspecção para compreendermos a complexidade da vida humana e acima de tudo aceitar aquilo que nos acontece reavaliando as situações de uma forma positiva.


O papel é o elo de ligação entre a cultura e a personalidade (Abreu, 1992 , p. 53). Como referi, anteriormente, o ser humano é um ser cultural. Antes da concepção do indivíduo a cultura já existe e é essa mesma que vai incutir ao novo ser vindouro padrões de comportamento, implicitamente ou explicitamente, facilitando, ao indivíduo, vias de relacionamento social e familiar.
O papel só se materializa na existência de um outro papel complementar (pai/filho; professor/aluno; médico/paciente…) vivenciando uma “experiencia interpessoal, na qual vários actores se encontram implicados e se influenciam mutuamente” assegurando a integração na sociedade. (Veiga, 2009, p.110)
Existe duas variáveis que condicionam a teoria de papéis: multiplicidade e a integração de papéis. Relativamente à primeira está relacionada com o tipo de organização e hierarquização da própria sociedade e que por sua vez pressupõe um número de estatutos. Quanto maior for a oferta da cultura relativamente aos estatutos maior é o tempo de formação da personalidade do indivíduo. No que diz respeito à segunda – integração de papéis –  o facto de desempenhar novos papéis não significa que estes se harmonizam com os papéis precedentes. “Cada desempenho de um papel novo pode retirar a força e a adequação, ou a espontaneidade, de papéis anteriores mais ou menos compatíveis. Quando os vários papéis solicitados não se harmonizam, o seu desempenho mostra-se esteriotipado, forçado, difícil e, acima de tudo, não é realizado com prazer nem leva ao sentimento de realização pessoal ” (Fox, 1987, s/p. cit. Veiga, 2009, p.110) Assim sendo é de extrema importância o indivíduo integrar e harmonizar os diferentes papéis que desempenha de forma a se relacionar espontânea e criativamente. 
Moreno apresenta três classes de papéis – psicossomáticos; psicodramáticos e sociais.



Papeis Psicossomáticos
A criança quando nasce precisa do outro para satisfazer as suas necessidades fisiológicas e é o outro, possuidor de uma cultura, que o educa de acordo com o seu quadro de referências. Assim a criança “aprende a comer, dormir, estimular-se, urinar e defecar (…) estas actividades correspondem os papéis psicossomáticos” (Abreu, 1992 , p. 60) Este processo, pela qual a criança passa, é um treino dos seus papéis acabando por integra-los à medida que se desenvolve e são nestes jogos que o novo ser se relaciona com a família.    
Segunda a Teoria do Núcleo do Eu de Rojas - Bermúdez (1978, s/p, cit. Veiga, 2009, p.112 ) realça os três papéis psicossomáticos: ingeridor, defecador e urinador. São estes papéis que estão na origem na personalidade, “o espaço mais íntimo, profundo e impenetrável, a partir do qual todas as projecções e papéis emergem.”
O centro da personalidade, ou melhor dizendo, o núcleo do Eu, é um espaço profundo, íntimo e inviolável e, para além deste núcleo “pode-se perceber uma barreira defensiva que limita um outro espaço denominado de si mesmo” (ibidem)
As barreiras defensivas não permitem alcançar uma relação de auto-abertura e consequentemente colocam-na em causa baseando-se em ideias estereotipadas e pré-programadas de interacção. Se ultrapassarem as barreiras “logram um contacto com o exterior, estabelecem vínculos com os papéis complementares e desenvolvem-se mais” (Abreu, 1992 , p. 61)
As sessões de psicodrama permitem uma certa descontracção diminuindo as defesas do «si-mesmo» “possibilitando o contacto com o «núcleo do Eu». Aqui são  deixadas, a descoberto todos os papéis de forma a possibilitar um contacto mais flexível, adequado e verdadeiro com o exterior. Os papéis menos desenvolvidos podem nestes contextos criar vínculos com os papéis complementares e desenvolver-se mais.” (Soeiro, 1991, s/p, cit. Veiga, 2009, p.112)


Papeis psicodramáticos ou psicológicos
Efectivamente, os papéis psicológicos, têm a sua base na cultura, conquanto o receptor é um sujeito activo podendo recriar e redefinir esses mesmos papéis. Jamais podemos descartar o impacto  no indivíduo dos papéis que desempenha, a forma como os  integra interagindo com a sua personalidade. Mesmo que o indivíduo não assuma o seu papel pode ser entendido pelo outro durante as interacções.
O papel psicológico corresponde  “à dimensão pessoal da vida psíquica, à dimensão psicológica do Eu, livre das resistências do exterior. ” (Veiga, 2009, p. 113)
Para Moreno nestes papéis psicológicos invade a função da fantasia e da imaginação do indivíduo que se mistura com a função da realidade, ou seja, o que gostaria de ser e o que esperam que eu seja limitando a sua forma de actuar, a sua espontaneidade e criatividade. Quando a função da realidade “começa a impor-se à realidade, dá-se uma fissura entre a realidade e a fantasia e a diferenciação entre os papéis psicodramáticos e sociais.” (ibidem)

Papéis sociais
Os papéis sociais desenvolvem-se depois dos papéis psicossomáticos e psicológicos e mais uma vez não podemos descurar a cultura. É importante reforçar que a cultura “oferece um amplo leque de papéis que vão ser preenchidos por vários indivíduos.” (Abreu, 1992 , p. 55) É num jogo de expectativas que são treinadas muitas vezes na infância que permitem ganhar capacidades para desenvolver outros papéis.
Com a formação e a escolarização diferenciada permitirá ao indivíduo aceder a informações conducente a uma eficácia do seu papel. Se o seu papel for bem desempenhado é porque tem algo de “original e criativo. É enriquecido e enriquece a personalidade do protagonista. Neste sentido, pode transformar-se num papel psicodramático. (Ibidem, p.57) 
Uma pequena curiosidade, como amante do teatro e actor amador, (tenho pena que por limitações de tempo esteja um pouco apagado) revejo-me muitas vezes nas personagens que desempenho, não é de facto o meu papel enquanto real, mas vou integrando alguns aspectos das personagens criadas na minha personalidade. Assim sendo, e apesar de não estar a treinar o meu papel onde posso repetir de uma forma diversificada, como é o caso do sociodrama, penso que em muito me ajuda a desenvolver relações empáticas, com alguma facilidade descentro-me do meu “eu” e coloco-me no lugar do outro. Depois a dificuldade de perceber as fronteiras do papel social e o meu papel psicodramático.

2 comentários:

  1. OLá Hélder Reis, será que poderia dizer qual foi o ano dessa sua postagem? Gostei muito do conteudo e gostaria de referenciar esses conceitos em um trabalho da faculdade.

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    1. caríssima Esteffânia Vitória, este conteúdo existe desde o início do blogue, setembro de 2011. Desculpe pela resposta tardia.
      Forte abraço!

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