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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Autoconhecimento, encontro a dois e self

Efetivamente, a relação (psicoterapeuta/diretor e paciente) partiu de condições próximas aos princípios rogerianos, necessárias para qualquer processo terapêutico independente do método, permitindo-me sentir seguro, aceite, compreendido e livre. Marcou-me profundamente a ausência de juízos de valor. Retrato uma situação particular da mesma natureza recorrendo ao meu diário tendo sido o cerne de outras observações e matéria de autorreflexão. Considerando (e ainda reconsidero) aspetos a melhorar quer na minha vida pessoal, social e profissional (uma vez que também trabalho com pessoas) a ausência de julgamentos podendo ter  repercussões na relação:

 “Olhei-me ao espelho! Neste dia acordei com os meus ideais, a minha vontade de explorar a « luz» porém,  dei por mim a fazer juízos de valor fundados em representações mentais. Desejava poder desligar esta “torneira” e não deixar sair mais os meus pré-conceitos. Não os nego, pois sou um ser humano… todavia é importante perceber que os tenho e não deixar influenciar a minha vida. Presenteei isto quando deixei cair um “pingo de água” inconsciente e desloquei-me para o outro com uma representação mental influenciando o meu comportamento (algo do género: - lá vem outro pedir dinheiro! – até gostaria de ver o meu não verbal). Quando o outro apercebeu-se da avaliação errada e a contestou, simultaneamente percebi o meu preconceito sem atender às verdadeiras razões do indivíduo. Nesse dia acordei a minha capacidade de escuta, decidi que é importante apaziguar os meus juízos de valor, as minhas representações mentais e “olhar” para o outro de forma particular e única. Afinal, tal como eu, o outro tem o direito de ser imperfeitamente perfeito”

Este é um exemplo da minha experiência que permitiu-me ganhar consciência de um conjunto de ideias estereotipadas,  preconceituosas bem como sentimentos que tinha em torno de vários “objetos” que inviabilizam a aceitação incondicionável, a empatia impedindo espaço à verdadeira escuta.. Por vezes,  implícita e/ou explicitamente, consciente e/ou inconscientemente, verbal e/ou não verbalmente deixamos cair esses “pingos de àgua” podendo ter repercussões “nefastas” para quem aspira seguir uma carreira profissional na área da Psique (ou qualquer outra cujo objeto de trabalho são pessoas) e para quem procura ajuda. Enquanto educador social e  aspirante de psicólogo, e quem sabe de psicoterapeuta, é francamente pertinente este nível de autoconhecimento e apesar parecer de fácil controlo em contextos reais  facilmente transparece. Os sentimentos só se tornam conhecidos quando deles temos conhecimento. “Quanto mais (...) souber ouvir e aceitar o que se passa em si mesmo, quanto mais souber ser a complexidade dos seus sentimentos, sem receio, maior será o seu grau de congruência.” (Rogers, 2009, p. 89) Toda esta questão de autoconhecimento não nega os sentimentos até, como afirma Mcwilliams, “parece-me que é de uma subtil desonestidade actuar como fôssemos «vazios» quando, na verdade, estamos cheios de sentimentos, e quando uma reação mais franca do que essa putativa neutralidade até aprofunda muitas vezes o trabalho.” (Mcwilliams, 2006, p. 207 )Porém, a consciência dos nossos sentimentos ajuda a dar respostas mais adequadas à situação para que o terapeuta/profissional tenha"uma atitude que evitará ou reduzirá os sentimentos de vergonha e humilhação sobre o que quer que seja revelado." (Mcwilliams, 2006, p.160)

O autoconhecimento vai para além da nossa consciência e como afirma Jung “confundimos «autoconhecimento» com o conhecimento da personalidade consciente do eu (...) O homem mede o seu conhecimento através daquilo que o meio social sabe normalmente a seu respeito e não a partir do facto psíquico real que, na maior parte das vezes, lhe é desconhecido” (Jung, 1991, p. 3).
Se o autoconhecimento subentende-se o conhecimento de si próprio logo obriga-nos a equacionar e explorar o conceito de Self. Apesar das quatro letras este conceito é muito mais complexo “basta ter em conta a lista de trabalhos em que o self aparece como prefixo, como por exemplo: self-awereness (autoconsciência), self-concept (auto-conceito), self-control (autocontrolo) self-disclosure (auto-revelação) self-efficacy (auto-eficácia) self-esteem (auto-estima), self- image (auto-imagem) ...” (Neto, 1998, p. 140)
Diversas definições de self coexistem nas teorias e práticas psicológicas, por exemplo: “Guanaes e Japur (2003 cit in Macedo & Silveira, 2012, p. 284) examinaram as descrições para o self nas principais teorias psicanalíticas: psicologia do ego, teoria das relações objetais e psicologia do self. O conceito de self pode ter o sentido de Ego, como estrutura mental, e também indicar o self como experiência subjetiva individual de si mesmo. Existem, portanto, fronteiras claras entre mundo interno e externo, e o self se constitui como uma entidade pontual nesta relação.”
O humanismo, alimentado pelos movimentos fenomenológicos e existêncialistas, dá enfase às capacidades do ser humano. Rogers (s/d) apresentou “uma compreensão de self como um elemento fundamental da experiência do sujeito e um aspecto central da personalidade Trata-se de um conceito fenomenológico de self, ou seja, um padrão de percepções conscientes que o indivíduo experiencia. Um conceito de self que enfatiza aspectos de caráter único e específico, e que busca padrões estáveis no tempo” (Macedo & Silveira, 2012, p. 284) Mais acrescenta que a qualidade do self é um produto social e desenvolve-se mas relações interpessoais.
Segundo a Gestalt “O self é nossa essência; é o processo de avaliar as possibilidades no campo, integrá-las e levá-las à completude em função das necessidades do organismo. O self é o agente em contato com o presente, efetuando o ajustamento criativo, fazendo sentido. O self constitui nossos processos saudáveis, funcionando para a existência e crescimento do organismo. (Latner, 1973, p.4  cit in Frazão, 1995, p. 147)[1]
Apesar das várias teorias existentes e a sua complexidade poderemos integrar as diferentes abordagens sem anular a sua singularidade. Realço a metáfora de Cooley que serve analogia para melhor compreensão do self. O self “que se olha ao espelho, para ilustrar a ideia de que o senso do self individual é, inicialmente, formado a partir de suas perceções sobre como os outros percebem. Assim as reações dos outros funcionam como reflexos de um espelho fornecendo informações que o indivíduo utiliza para construir seu senso do self. (Macedo & Silveira, 2012, p. 285)[2].
Em boa verdade, “Sempre que duas pessoas se encontram, existem, na realidade, seis pessoas presentes. Existe cada indivíduo da maneira como ele vê a si próprio; cada indivíduo da maneira como ele é visto pelo outro e cada indivíduo como ele realmente é.” (William James)[3]
Reporto-me para um excerto do meu diário retratando uma situação que “ruminava” o meu pensamento - quem eu era realmente?

 A alma sente mas existe algo que abafa o bater dos meus sentimentos. A noite distorce a sombra do meu ser. Serei mais racional ou emotivo?”
 (...)“ Talvez seja do género…da educação… «Um homem não chora» assim dizia o meu avô. A um homem não é permitido muita coisa... tem que ser uma figura forte e rígida. Os outros dizem: - Abafa o choro, fecha as tuas emoções, não mostres os teus afectos pois isso são de seres que não são homens… e também não são mulheres! E assim fui crescendo e assim me fizeram… (Foram eles que bloquearam alguns dos meus sentires!).Mostraram-me que um homem deve exibir somente algumas emoções que espelham a fúria, os nervos, raiva, a agressividade… será que ao momento da minha vida eu compreendi estas minhas emoções? Será que usei a minha razão? Ou simplesmente abafei alguns sentimentos, em detrimento de outros, sem saber a verdadeira razão de ser? Sou simplesmente um produto de filhos que por sua vez são filhos que retroalimentam toda uma conserva cultural. Uma oportunidade de transformação!? Será que devo ser um eterno fingidor? O que faço aos meus afectos e emoções que deveria esconder? Se tiver vontade de mostrar? …porque não? (Claro que tudo depende da situação!) E como fica o meu estatuto de homem?... Prefiro deixar de ser homem e digam simplesmente que sou uma pessoa. E o que fazer relativamente às emoções como a raiva? Se estiver furioso? Existe algo entre a emoção e a acção … porque não pensar antes de agir? Porque não manifestar simbolicamente, com as palavras, como me sinto?
By me : Hélder Reis 

Com esta reflexão consegue-se compreender a relação interativa entre o meio externo e o meio interno, do campo interpessoal para o intrapessoal, a construção do self numa fase precoce do desenvolvimento e o trama das emoções que não podiam ser manifestadas em detrimento de outras. Por outro lado, eu era o que as pessoas mais próximas queriam que fosse e, na necessidade de ser aceite, acabei por me conformar. Com receio eu era aquilo que não queria ser que progressivamente definiu-me o que era.   Em suma, não estava a ser congruente e não estava a ser o que realmente queria ser. Via-me como um ser agressivo, outros olhavam para mim como um verdadeiro “Homem” e a insegurança dominava o que realmente era. Foi no “aqui” e no “agora” (presente do meu passado) que tive a oportunidade de me reencontrar e de (re)criar um novo papel  desenvolvendo a confiança necessária para crescer e evoluir. Parafraseando Rogers, que  melhor expressa a abertura de um novo caminho  na medida em que “o movimento caracaterístico do paciente é o que lhe permite ser ele mesmo livremente, no processo instável e fluido que ele é. Ele encaminha-se para uma abertura favorável ao que nele se passa – aprendendo a ouvir-se a si mesmo sensivelmente. Isto significa que é cada vez mais uma harmonia de sensações e de reações complexas, em vez da clareza e da simplicidade da rigidez, ou seja, que caminha para a aceitação da sua «essência», aceitando os outros, de um modo mais atento e compreensivo” (Rogers, 2009, p. 214)

Nascemos seres humanos e tornamo-nos pessoas com o processo de socialização e em coautoria, entre o “eu” e o “tu”, desenvolvemo-nos. Nem sempre temos a consciência de quem realmente somos, o que realmente queremos e qual o caminho pretendido mas é entre a razão e a emoção que percebemos realmente o que desejamos entre os múltiplos trilhos sociais subtilmente induzidos.







[1] Pode ser consultado no link: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771995000200011
[2] Pode ser consultado no seguinte link: http://www.scielo.br/pdf/paideia/v22n52/14.pdf
[3] Frase estímulo fornecido pelo docente para a construção deste trabalho

Jung, C. G. (1991). Presente e Futuro (3ª Edição ed.). Brasil: Editora Vozes Ldª.
Mcwilliams, N. (2006). Psicoterapia Psicanalítica (1ª Edição ed.). Lisboa: Climepsi

Rogers, C. (2009). Tornar-se Pessoa. Lisboa: Padrões Culturais Editora.

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