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Instrumentos do sociodrama


O pintor pinta incansavelmente à procura da perfeição. Que seria do pintor sem os seus pigmentos, sem o seu pincel, sem a sua destreza fina e delicada. Para as sua obras é necessário conhecer as cores, os pincéis duros de pêlo de centauro, ou os pincéis de pêlo macio de Pégaso. Assim é o sociodrama que carece de instrumentos para poder esboçar o desenho, de uma palete onde se possa confrontar as cores sendo fundamental conhecer a consciência subjectiva e objectiva do ser humano.
O sociodrama troca o ateliê pela sala sociodramática, a tela pelo cenário, o pintor pelo director, o pigmento pelo protagonista, o cavalete pelos egos auxiliares e o museu pelo auditório.
A expressão dramática dá asas à nossa imaginação, tão depressa estamos no planeta Marte como tão depressa estamos numa sala sociodramática. Assim sendo, através da imaginação, e com uma ajuda detalhada, voaremos para esse ambiente.


O ideal, de uma sala do sociodrama, é um espaço amplo onde se deve contar sempre com um estrado baixo no centro da sala que designaremos de “ cenário, sobre o qual estão  colocadas, num dos topos, duas cadeiras vazias encostadas pelas pernas da frente”  (Abreu, 1992 , p. 23) As cadeiras representam o psicodrama, neste caso o sociodrama, e dependendo da fase do processo poderão estar em posições diferentes. Durante o aquecimento a posição das cadeiras formam uma união entre as pernas posteriores. Após o emergente grupal os pontos que se unem entre as cadeiras tornam-se pólos opostos abrindo-se para a dramatização. O director encontra-se por detrás das cadeiras assim como os egos- auxiliares e à volta destes os elementos sentados que formam o grupo – em círculo. Todavia nem sempre se pode obedecer aos pré-requisitos – uma sala com um estrado…um espaço minimamente acolhedor pode servir perfeitamente para sessões sociodramáticas.
O cenário
A tela, ou melhor dizendo, o cenário, ou palco,  é a “boca de cena” onde desenrola a dramatização. A dramatização é orientada pelo director e como espaço dramático o público pode dar lugar a um outro papel, o protagonista pode encarnar outro ser, e aquele palco pode-se transformar num outro espaço. Tudo é possível! Podemos voltar ao passado e instantaneamente voltar ao presente, projectarmo-nos num futuro e repentinamente voltar ao passado. Tudo depende do emergente grupal. São estes jogos, entre o real e a imaginação (nada impede que a imaginação se torne real, pelo menos espera-se que se torne vantajoso para os indivíduos) que permitem  “criar situações (…) e, simultaneamente, um instrumento de reflexão para se chegar à invenção e à criatividade. É um espaço de “ confronto que obrigam o jogador a reagir a partir dos indutores que lhe são propostos; considera-os um «ensaio sem riscos», defendendo que uma das virtualidades mais importantes do jogo dramático e da improvisação é o permitir as repetições e os regressos. (…) exploram-se tentativas, aperfeiçoa-se e inventa-se. ” (Lopes M. V., 1999, p. 13) O cenário é um espaço de liberdade ausente de juízos de valor ou condenações. É fundamental que durante as sessões sociodramáticas o grupo seja coeso (existe alturas em que coesão inviabiliza a liberdade na medida em que grupo age de acordo com as expectativas que uns têm de outros agindo em conformidade – actuam para que seja aceite no grupo em detrimento dos seus verdadeiros pensares e sentires), maduro mas acima de tudo que deixe os seus mecanismos de defesa de lado e se baseiem em relações de aceitação, compreensão e confiança.

Em todas as sessões as cores misturam-se dando origem a uma nova pigmentação, ou talvez não… No sociodrama “o objectivo da terapia é o próprio grupo” (Abreu, 1992 , p. 25) sendo os elementos do grupo protagonistas (não quer dizer que se destaque um ou outro elemento). No início de cada sessão devido aos problemas, as vivências, as necessidades, a importância ou a urgência de determinada questão (tudo tem que ser bem medido) dá luz ao emergente grupal. O director neste momento tem a dura tarefa de encontrar o caminho para a dramatização.
No meu caso particular todas as questões giram em torno do curso de educação social, das nossas dificuldades, dos nossos problemas, das questões inter-relacionais que ocorrem no nosso percurso académico. No cenário vivenciamos situações comuns que nos permitem reflectir sobre elas, fazer uma descrição das dificuldades e encontrar ou criar novas estratégias para as colmatar. O director “pode optar por substituir a dramatização por jogos com o objectivo de tratar temas colectivos, fortalecer a coesão do grupal ou obter diagnósticos, podendo, no decorrer deste processo, evidenciar-se um protagonista em particular. ” (Veiga, 2009, p.128)


Os egos-auxiliares são aqueles que colaboram com o director e que interagem durante a dramatização com os protagonistas “que podem ter ou não relação com o grupo, e prestam-se a auxiliar os protagonistas, assumindo personagens e ajudando a encontrar um clima emocional adequado.” (Lopes M. S., 2008, p. 356) Na certeza, os papéis que assumem os egos-auxiliares, idênticos à situação original, provocam aos protagonistas uma nova reavaliação da situação real, ou imaginária. Ao contracenar com o outro, repetindo as vezes necessárias, livres de tensões do quotidiano, os protagonistas encontram possíveis razões para a situação vivencial. Na minha opinião a existência de egos-auxiliares permite aos protagonistas afastarem as suas representações mentais que em muito influenciariam se a acção fosse simplesmente unilateral e discursiva, ou seja, se a dramatização fosse baseada num pensamento único (do protagonista) e que pouco ou quase nada se alteraria. Assim sendo, ao contracenar com outro ser pensante, as estruturas cognitivas, possivelmente, sofrerão uma nova acomodação e o desenvolvimento ocorrerá.
O pintor ao contemplar a paisagem para passar para a sua tela poderá dar nuances e sombras não existentes, alterando a realidade. No Sociodrama o director serve-se dos egos-auxiliares como se fossem sombras e nuances de forma a permitir a criatividade dos protagonistas, dando um novo sabor à realidade.
Por vezes utilizam-se elementos que integram o grupo como egos-auxiliares designados por naturais. Quando um elemento do grupo é convidado para representar um papel inicia-se um duplo processo desenvolvimental, quer para o protagonista quer para o ego auxiliar (profissional ou natural). Para uma melhor explicação passo a uma experiência pessoal no teatro amador. Quando representava um papel paralelamente fazia uma crítica comparativa entre a personagem que estava a representar e o meu “eu”, reconhecendo, assim, a minha própria personalidade, o que queria realmente para mim enquanto pessoa. Assim sendo também considero que o desenvolvimento é bilateral tanto para o protagonistas como para o egos-auxiliares, bem como para todos os elementos que integram este processo.

O auditório é constituído pelos restantes elementos que não entram na acção dramatizada. É o público que assiste ao clímax do emergente grupal. Referi num outro diário de bordo que “ler um livro, ir cinema parece ser uma simples diversão mas por detrás deste «pano» a que eu chamo passatempo está escondido experiências da vida humana, realidades próximas da minha. Através destas distracções posso observar situações e abrir o meu leque de respostas às mais diversas conjunturas.” Nas dramatizações existe algo de semelhante vivenciado situações semelhantes à minha (podendo ser importantes para futuras situações) ou simplesmente observar e constatar a complexidade das relações humanas. “No final da dramatização, o auditório é convidado, caso o protagonista deseje, a expressar as suas emoções e opiniões.” (Veiga, 2009, p.134) É nesta fase que me sinto protagonista, é nesta fase que eu posso intervir e que em muito me satisfaz, i.e., onde eu posso mostrar o meu ponto de vista a partir da análise situacional, ser participativo, dar a minha opinião e contributo crescendo paralelamente com aquilo que oiço.
Apesar de considerar importante a partilha, e que em muito contribui para o nosso desenvolvimento, também tenho verificado que existe alguns constrangimentos na fase da partilha onde o público/auditório dá um feedback da dramatização ou de um outro jogo. Parece-me importante referir que as minhas reflexões são feitas de acordo com as minhas experiências inviabilizando uma visão generalista. Não podemos confundir uma árvore com uma floresta. Afiro, quando dialogo com o meu cigarro nos intervalos das aulas, alguns ruídos paralelos acerca das sessões do sociodrama. Entendo esses ruídos como posturas conformistas ou de falta de maturidade. Depois é interessante observar os comportamentos das pessoas dentro das sessões. Comunicar não é o simples discurso verbal, consigo fazer leituras, já com o complemento exterior, e o que se passa dentro das sessões. São as trocas de olhares, são os sorrisinhos sarcásticos, enfim…tendo esta situação tomo atitudes conformistas caso contrário criaria mais constrangimentos e mais conflitos entre o grupo. Depois é interessante verificar que para as pessoas está tudo bem, mostram a imagem de tudo controlado e de harmonia grupal. Possivelmente contribuo para essa imagem. Tenho em conta que o grupo em questão está junto há quase três anos lectivos. A diversidade de formas de estar e ser contribui para um eterno movimento de conflitos e alianças. Esta é a natureza humana. Assim como o pintor pinta incansavelmente à procura da perfeição o ser humano procura a perfeição da relação entre conflitos e laços e assim se vão conhecendo e assim se vai construindo uma relação.

Director é um pintor que pinta incansavelmente à procura da perfeição. São estas atitudes que se pretendem que todos os elementos, que passam por este processo sociodramático, adquirem, ou seja, o desejo de se tornarem melhores pessoas, o desejo de encontrar o desenvolvimento eterno inatingível. 
O director estimula os membros do grupo a pincelar o quadro comum, faz circular a comunicação para, em conjunto, construir uma nova obra de arte. O director faz circular os pensamentos de forma a oferecer aos pensamentos novas ideias para resolver ou confrontar tarefas e problemas.
Existem autores que afirmam que o director tem a função de catalisador (estimular) como Educador Social gosto da expressão “guardião”, ou seja, aquele que permite a “participação” e assegura que todos os elementos possam “compartilhar as suas ideias e sentimentos” sentindo-se protegidos (Cascão & Neves, 2001, p. 49) No meu olhar só se pode estimular se o estimulado sentir que existe alguém a protege-lo (o contrário poderá fortalecer os mecanismos de defesa e a resistência do estimulado). É num clima de protecção e de aceitação que os elementos do grupo se podem libertar podendo dar lugar a tão esperada catarse. Penso que a dura tarefa do director é possibilitar ao grupo posturas humanistas, tal a perspectiva Rogeriana, elevado nível de compreensão e empatia, aceitação positiva incondicional, total autenticidade e congruência. São nestas relações co-construídas que o processo sociodramático ganha uma qualidade invejável caminhando nos caminhos da entre ajuda e contribuindo para o empowerment dos indivíduos  
Não existe sombras de dúvidas que o director deve ter um conjunto de conhecimentos mais técnicos/profissionais e a sua formação pessoal é deveras importante. Como seria um director com as suas falhas narcísicas? Onde a preocupação era encher o seu ego em detrimento do outro? Desta forma o director deve ser possuidor de um determinado perfil cuja preocupação é a emancipação do outro através de um olhar mais analítico. É necessário fazer leituras que estão para além do concreto, dos discursos implícitos, das resistências dos protagonistas (é preciso salientar um aspecto, o processo sociodramático é voluntario, ninguém é obrigado a participar), perceber o que querem evitar, clarificar discursos, devolver as incoerências …
O director (psicoterapeuta) deve dar  ênfase no “aqui” e no “agora” do que  os processos clássicos de terapia que buscam o passado para explicar situações presentes. A busca de explicações passadas da terapia clássica pode ofuscar outras potencialidades dos protagonistas, assim sendo, o director da mais realce aos assuntos actuais de forma a capacitar os protagonistas para situações futuras.
Partindo destes pressupostos mais acrescento, o director é de facto o responsável por todo o processo do psicodrama, desde o aquecimento, passando pela dramatização e findando na partilha.

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