Efetivamente, a relação
(psicoterapeuta/diretor e paciente) partiu de condições próximas aos princípios
rogerianos, necessárias para qualquer processo terapêutico independente do
método, permitindo-me sentir seguro, aceite, compreendido e livre. Marcou-me
profundamente a ausência de juízos de valor. Retrato uma situação particular da
mesma natureza recorrendo ao meu diário tendo sido o cerne de outras
observações e matéria de autorreflexão. Considerando (e ainda reconsidero)
aspetos a melhorar quer na minha vida pessoal, social e profissional (uma vez
que também trabalho com pessoas) a ausência de julgamentos podendo ter repercussões na relação:
“Olhei-me ao espelho! Neste dia acordei com os meus ideais, a minha
vontade de explorar a « luz» porém, dei
por mim a fazer juízos de valor fundados em representações mentais. Desejava
poder desligar esta “torneira” e não deixar sair mais os meus pré-conceitos.
Não os nego, pois sou um ser humano… todavia é importante perceber que os tenho
e não deixar influenciar a minha vida. Presenteei isto quando deixei cair um
“pingo de água” inconsciente e desloquei-me para o outro com uma representação mental
influenciando o meu comportamento (algo do género: - lá vem outro pedir
dinheiro! – até gostaria de ver o meu não verbal). Quando o outro apercebeu-se
da avaliação errada e a contestou, simultaneamente percebi o meu preconceito
sem atender às verdadeiras razões do indivíduo. Nesse dia acordei a minha
capacidade de escuta, decidi que é importante apaziguar os meus juízos de
valor, as minhas representações mentais e “olhar” para o outro de forma
particular e única. Afinal, tal como eu, o outro tem o direito de ser
imperfeitamente perfeito”
Este é um exemplo da minha
experiência que permitiu-me ganhar consciência de um conjunto de ideias
estereotipadas, preconceituosas bem como
sentimentos que tinha em torno de vários “objetos” que inviabilizam a aceitação
incondicionável, a empatia impedindo espaço à verdadeira escuta.. Por vezes,
implícita e/ou explicitamente,
consciente e/ou inconscientemente, verbal e/ou não verbalmente deixamos cair
esses “pingos de àgua” podendo ter repercussões “nefastas” para quem aspira
seguir uma carreira profissional na área da Psique (ou qualquer outra cujo objeto de trabalho são pessoas) e para quem procura ajuda. Enquanto educador social e aspirante de psicólogo, e quem sabe de psicoterapeuta, é francamente pertinente
este nível de autoconhecimento e apesar parecer de fácil controlo em
contextos reais facilmente transparece.
Os sentimentos só se tornam conhecidos quando deles temos conhecimento. “Quanto
mais (...) souber ouvir e aceitar o que se passa em si mesmo, quanto mais
souber ser a complexidade dos seus sentimentos, sem receio, maior será o seu
grau de congruência.” (Rogers, 2009,
p. 89)
Toda esta questão de autoconhecimento não nega os sentimentos até, como afirma
Mcwilliams, “parece-me que é de uma subtil desonestidade actuar como fôssemos
«vazios» quando, na verdade, estamos cheios de sentimentos, e quando uma reação
mais franca do que essa putativa neutralidade até aprofunda muitas vezes o
trabalho.” (Mcwilliams,
2006, p. 207 ) . Porém, a consciência dos nossos sentimentos ajuda a dar respostas mais adequadas à situação para que o terapeuta/profissional tenha"uma atitude que evitará ou reduzirá os sentimentos de vergonha e humilhação sobre o que quer que seja revelado." (Mcwilliams, 2006, p.160)
O autoconhecimento vai para
além da nossa consciência e como afirma Jung “confundimos «autoconhecimento»
com o conhecimento da personalidade consciente do eu (...) O homem mede o seu
conhecimento através daquilo que o meio social sabe normalmente a seu respeito
e não a partir do facto psíquico real que, na maior parte das vezes, lhe é
desconhecido” (Jung, 1991, p. 3) .
Se o autoconhecimento subentende-se
o conhecimento de si próprio logo obriga-nos a equacionar e explorar o conceito
de Self. Apesar das quatro letras este conceito é muito mais complexo “basta
ter em conta a lista de trabalhos em que o self aparece como prefixo, como por
exemplo: self-awereness (autoconsciência), self-concept (auto-conceito),
self-control (autocontrolo) self-disclosure (auto-revelação) self-efficacy
(auto-eficácia) self-esteem (auto-estima), self- image (auto-imagem) ...” (Neto,
1998, p. 140)
Diversas definições de self coexistem
nas teorias e práticas psicológicas, por exemplo: “Guanaes e Japur (2003 cit in
Macedo & Silveira, 2012, p. 284)
examinaram as descrições para o self nas principais teorias psicanalíticas:
psicologia do ego, teoria das relações objetais e psicologia do self. O
conceito de self pode ter o sentido de Ego, como estrutura mental, e também
indicar o self como experiência subjetiva individual de si mesmo. Existem,
portanto, fronteiras claras entre mundo interno e externo, e o self se
constitui como uma entidade pontual nesta relação.”
O
humanismo, alimentado pelos movimentos fenomenológicos e existêncialistas, dá
enfase às capacidades do ser humano. Rogers (s/d) apresentou “uma compreensão
de self como um elemento fundamental da experiência do sujeito e um aspecto
central da personalidade Trata-se de um conceito fenomenológico de self, ou
seja, um padrão de percepções conscientes que o indivíduo experiencia. Um
conceito de self que enfatiza aspectos de caráter único e específico, e que
busca padrões estáveis no tempo” (Macedo
& Silveira, 2012, p. 284) Mais acrescenta que a qualidade do self
é um produto social e desenvolve-se mas relações interpessoais.
Segundo
a Gestalt “O self é nossa essência; é o processo de avaliar as
possibilidades no campo, integrá-las e levá-las à completude em função das
necessidades do organismo. O self é o agente em contato com o presente,
efetuando o ajustamento criativo, fazendo sentido. O self constitui nossos
processos saudáveis, funcionando para a existência e crescimento do organismo.
(Latner, 1973, p.4 cit in Frazão, 1995, p. 147)[1]
Apesar
das várias teorias existentes e a sua complexidade poderemos integrar as
diferentes abordagens sem anular a sua singularidade. Realço a metáfora de
Cooley que serve analogia para melhor compreensão do self. O self “que
se olha ao espelho, para ilustrar a ideia de que o senso do self individual é,
inicialmente, formado a partir de suas perceções sobre como os outros percebem.
Assim as reações dos outros funcionam como reflexos de um espelho fornecendo
informações que o indivíduo utiliza para construir seu senso do self. (Macedo & Silveira, 2012, p. 285)[2].
Em boa verdade, “Sempre que
duas pessoas se encontram, existem, na realidade, seis pessoas presentes.
Existe cada indivíduo da maneira como ele vê a si próprio; cada indivíduo da
maneira como ele é visto pelo outro e cada indivíduo como ele realmente é.” (William
James)[3]
Reporto-me para um excerto do
meu diário retratando uma situação que “ruminava” o meu pensamento - quem eu
era realmente?
“A alma sente mas existe algo que
abafa o bater dos meus sentimentos. A noite distorce a sombra do meu ser. Serei
mais racional ou emotivo?”
(...)“ Talvez seja do género…da educação… «Um
homem não chora» assim dizia o meu avô. A um homem não é permitido muita
coisa... tem que ser uma figura forte e rígida. Os outros dizem: - Abafa o
choro, fecha as tuas emoções, não mostres os teus afectos pois isso são de
seres que não são homens… e também não são mulheres! E assim fui crescendo e
assim me fizeram… (Foram eles que bloquearam alguns dos meus sentires!).Mostraram-me
que um homem deve exibir somente algumas emoções que espelham a fúria, os
nervos, raiva, a agressividade… será que ao momento da minha vida eu compreendi
estas minhas emoções? Será que usei a minha razão? Ou simplesmente abafei
alguns sentimentos, em detrimento de outros, sem saber a verdadeira razão de
ser? Sou simplesmente um produto de filhos que por sua vez são filhos que
retroalimentam toda uma conserva cultural. Uma oportunidade de transformação!?
Será que devo ser um eterno fingidor? O
que faço aos meus afectos e emoções que deveria esconder? Se tiver vontade de
mostrar? …porque não? (Claro que tudo depende da situação!) E como fica o meu estatuto
de homem?... Prefiro deixar de ser homem e digam simplesmente que sou uma
pessoa. E o que fazer relativamente às emoções como a raiva? Se estiver
furioso? Existe algo entre a emoção e a acção … porque não pensar antes de
agir? Porque não manifestar simbolicamente, com as palavras, como me sinto?
By me : Hélder Reis |
Com esta reflexão consegue-se
compreender a relação interativa entre o meio externo e o meio interno, do
campo interpessoal para o intrapessoal, a construção do self numa fase precoce
do desenvolvimento e o trama das emoções que não podiam ser manifestadas em
detrimento de outras. Por outro lado, eu era o que as pessoas mais próximas
queriam que fosse e, na necessidade de ser aceite, acabei por me conformar. Com
receio eu era aquilo que não queria ser que progressivamente definiu-me o que
era. Em suma, não estava a ser
congruente e não estava a ser o que realmente queria ser. Via-me como um ser
agressivo, outros olhavam para mim como um verdadeiro “Homem” e a insegurança
dominava o que realmente era. Foi no “aqui” e no “agora” (presente do meu
passado) que tive a oportunidade de me reencontrar e de (re)criar um novo
papel desenvolvendo a confiança
necessária para crescer e evoluir. Parafraseando Rogers, que melhor expressa a abertura de um novo
caminho na medida em que “o movimento
caracaterístico do paciente é o que lhe permite ser ele mesmo livremente, no
processo instável e fluido que ele é. Ele encaminha-se para uma abertura favorável
ao que nele se passa – aprendendo a ouvir-se a si mesmo sensivelmente. Isto
significa que é cada vez mais uma harmonia de sensações e de reações complexas,
em vez da clareza e da simplicidade da rigidez, ou seja, que caminha para a
aceitação da sua «essência», aceitando os outros, de um modo mais atento e
compreensivo” (Rogers, 2009,
p. 214)
Nascemos seres humanos e
tornamo-nos pessoas com o processo de socialização e em coautoria, entre o “eu”
e o “tu”, desenvolvemo-nos. Nem sempre temos a consciência de quem realmente
somos, o que realmente queremos e qual o caminho pretendido mas é entre a razão
e a emoção que percebemos realmente o que desejamos entre os múltiplos trilhos
sociais subtilmente induzidos.
[1] Pode ser consultado no
link: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771995000200011
[2] Pode ser consultado no
seguinte link: http://www.scielo.br/pdf/paideia/v22n52/14.pdf
[3] Frase estímulo fornecido
pelo docente para a construção deste trabalho
Jung, C. G. (1991). Presente e Futuro (3ª
Edição ed.). Brasil: Editora Vozes Ldª.
Mcwilliams, N. (2006). Psicoterapia
Psicanalítica (1ª Edição ed.). Lisboa: Climepsi
Rogers, C. (2009). Tornar-se Pessoa. Lisboa:
Padrões Culturais Editora.
Muito bom parabéns!
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